Obsessivo, bronco e pragmático: como funciona o homem que iniciou e acabou com a hegemonia da Juventus na Itália
“Eu trouxe à Inter minha visão de futebol: sacrifício, suor e cansaço. Eu levo todos até o limite, é verdade, mas é esse o caminho a seguir se você quer vencer. Há quem prefira a mediocridade, porque assim não se tem dor de cabeça e se dorme melhor.”
A frase do técnico Antonio Conte, proferida antes mesmo do fim de semana em que garantiu à Inter de Milão seu 19º scudetto interrompendo uma série de nove (!) títulos seguidos da Juventus, resume bem não apenas sua forma de trabalho, mas sobretudo sua obsessão: a de vencer a qualquer custo.
A trajetória de Conte, no que diz respeito aos resultados, é um verdadeiro e quase despercebido fenômeno ao qual sua fama e respeito moderados talvez não façam jus. Basta relembrar sua trajetória desde que, aos 42 anos, Antonio Conte assumiu o primeiro clube grande de sua carreira – a mesma Juventus na qual atuou por 14 anos como jogador.
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Treinador emergente, Conte chegou à Juventus em setembro de 2011 para trabalhar com um elenco que vinha de dois sétimos lugares seguidos no Campeonato Italiano, ainda sofrendo para se recuperar do escândalo batizado como Calciopoli que fez o clube disputar na Série B a temporada 2006-2007.
Resultado: em suas três primeiras e até então únicas temporadas como técnico de clube grande, Conte transformou um time de meio de tabela em tricampeão italiano, iniciando assim uma série de títulos que só viria a ser interrompida agora em 2021, uma década depois, graças à sua Inter de Milão.
Sobre aquele período, as declarações mais impressionantes a respeito da chegada de Conte são de Andrea Pirlo, seu jogador à época e hoje, ironicamente, o novato técnico da Juventus que viu sua série de conquistas interrompida pela Inter.
Pirlo, quem diria, explica
Em sua autobiografia “Penso, Quindi Gioco”, Pirlo dedica um capítulo inteiro ao trabalho de Antonio Conte como treinador. E alguns trechos, traduzidos a seguir em sequência, servem para compreender não apenas seu sucesso naquela Juventus, mas os que viriam nos trabalhos a seguir:
“Trabalhei com muitos técnicos e ele foi o que mais me surpreendeu. Foi preciso um único discurso, com palavras simples, para conquistar não só a mim como toda a Juventus. Quando ele fala, os conceitos te atingem até com certa violência. Várias vezes me peguei pensando: ‘cazzo, mais uma vez o que ele disse faz sentido’. Obviamente ganhamos o scudetto na primeira tentativa, um sucesso todo dele, malditamente dele, acima de qualquer previsão... Conte não é mágico, mas tira da cartola preleções alucinantes... Ou você o obedece ou não vai jogar. Ele atenta para cada detalhe e os utiliza a seu favor. Quando se concentrava na parte tática, ele nos deixava por horas na frente dos vídeos, explicando várias vezes os movimentos errados. Ele tem alergia ao erro... No campo de Vinovo [centro de treinos da Juventus], sempre vencíamos, simplesmente porque jogávamos contra ninguém. Não havia adversários. Ele nos obrigava a jogar partidas de 11 contra zero, nos obrigava a repetir por 45 minutos os mesmos movimentos até que ficassem bons, até enjoar.... Eu esperava um técnico bom, mas não tão bom. Imaginava um treinador com muita vontade e carisma, mas descobri que tática e tecnicamente ele tinha muito para ensinar a vários colegas.”
Seleção italiana
Três títulos italianos depois, Conte deixou a Juventus protagonizando uma das tantas polêmicas de sua carreira – naquele caso, por externar sua insatisfação com o mercado do clube ao afirmar que não era “possível comer com 10 euros em um restaurante de 100 euros” – para depois assumir o comando da seleção italiana, pela qual, novamente, seus resultados foram muito acima do esperado.
Em seu primeiro trabalho na Azzurra, na mesma chave de Croácia, Noruega e Bulgária, ele terminou líder invicto das eliminatórias da Euro 2016. E na etapa final da competição, com um elenco consideravelmente inferior aos dos favoritos no torneio (Giaccherini, Pellé e Éder eram titulares da Itália no ataque...), venceu e superou a favoritíssima Bélgica para liderar uma chave que tinha também Suécia e Irlanda.
Nas oitavas de final, a Itália eliminou de maneira incontestável, com um 2 a 0, a então campeã europeia Espanha. A queda só aconteceria nas quartas de final, contra a campeão do mundo Alemanha, e mesmo assim numa disputa de pênaltis após empate por 1 a 1 no tempo normal e prorrogação. Na Itália, ciente das limitações técnicas do time, jornais como La Gazzetta dello Sport estampavam manchetes assim: “Foi lindo, obrigado!”.
No Chelsea
Veio então o trabalho no Chelsea. E se na Juventus, como disse Pirlo, a conquista do scudetto estava longe do esperado, no Chelsea a hipótese do título inglês era ainda mais improvável. O que não significava impossível: ao transformar o time jogando com os três zagueiros que têm caracterizado todos seus grandes trabalhos, Conte rumou para a conquista da Premier League deixando para trás o Manchester City de Guardiola, o Liverpool de Jurgen Klopp, o Manchester United de José Mourinho e o Tottenham de Pochettino.
E mesmo na temporada seguinte, talvez a mais contestada de sua carreira sobretudo pelas várias desavenças criadas com o elenco do Chelsea, ainda conquistou um título, o da Copa da Inglaterra, derrotando o Manchester United de Mourinho por 1 a 0 na decisão em Wembley.
Dispensa por SMS
Foi com um jogador daquele grupo do Chelsea, o atacante Diego Costa, que Antonio Conte viveu a mais conhecida das confusões de sua carreira após dispensar por SMS o atleta que segundo ele não tinha mais desejo de atuar pelo clube inglês porque queria voltar ao Atlético de Madrid. De acordo com o Diário AS, o teor da mensagem que Conte enviou a Diego no meio da temporada teria sido o seguinte: “Olá, Diego. Espero que você esteja bem. Obrigado pela temporada que passamos juntos. Boa sorte no próximo ano, mas você não está mais nos meus planos”. A o que o jogador teria respondido com um seco e breve “OK”.
Tempos depois, Diego Costa chegou a comentar o caso na ESPN Brasil, de certa forma corroborando o que muitos apontam como o pior aspecto do técnico, sua relação com o elenco em geral degradada por cobranças intensas, rudes e obsessivas: “Tivemos problemas fora de campo, mas ele era um bom treinador. Não guardo rancor, mas para ser um técnico realmente importante ele tem que mudar algo no lado humano. Creio que em um clube como o Real Madrid ele não duraria uma temporada”.
Diego talvez tenha razão. No Real Madrid, pode ser que Antonio Conte durasse pouco, seja por seu jogo mais pragmático do que plástico, seja pela dificuldade para lidar com as maiores estrelas do mundo. Mas se isso um dia impediu que Conte assumisse e dirigisse o Real Madrid até hoje, a torcida da Inter só tem mesmo é que celebrar essas características de seu treinador.
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