A briga que ameaça um time sensação e expõe o quanto é árduo o trabalho de técnicos
Ainda não se sabe com detalhes o que aconteceu. Apenas que houve, no intervalo de um jogo contra o Midtjylland pela Champions League, no mínimo uma ríspida discussão de ordem tática entre o técnico italiano Gian Piero Gasperini e o meia argentino Papu Gómez, justamente os dois maiores protagonistas da modesta mas respeitada Atalanta, time sensação do futebol italiano e europeu nos últimos anos.
"Papu foi nosso jogador mais importante e mais utilizado durante esses cinco anos. Eu busco o melhor para o time e certas situações precisam de adaptação. Neste ano, em alguns jogos era difícil escalá-lo como todocampista, pela condição dele e pela condição do time. Ele continua sendo um grande jogador. Mas é preciso haver confiança e disponibilidade, caso contrário fica difícil”, disse o treinador no domingo (13), após a vitória por 3 a 0 contra a Fiorentina – com Papu no banco.
Antes disso, mesmo com a discussão já pública, o argentino foi titular no decisivo jogo contra o Ajax pela Champions, em Amsterdã. A Atalanta venceu os holandeses por 1 a 0 e avançou de novo às oitavas de final. Para os torcedores, parecia um sopro de esperança de que as coisas poderiam se resolver. O que hoje parece improvável.
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Pelo que tem indicado não só a imprensa italiana, mas as próprias manifestações dos envolvidos em entrevistas (no caso do técnico) e redes sociais (no caso do jogador), o rompimento definitivo parece iminente. Após postar um egocêntrico “No Papu, no Party” que desagradou alguns torcedores, o argentino voltou a se manifestar nessa segunda-feira (14) com a seguinte mensagem em seu Instagram:
“Queridos torcedores da Atalanta, escrevo aqui porque não tenho nenhuma forma para me defender e falar com vocês. Quero apenas dizer que quando eu for embora toda verdade virá à tona. Vocês me conhecem e sabem a pessoa que eu sou. Com carinho, do vosso capitão.”
Suas manifestações têm recebido o apoio nem tão velado do amigo e companheiro de time, outra peça muito importante da Atalanta, o meia-atacante Josep Ilicic. Num cenário hoje provável, Papu pode se despedir já em janeiro, antes dos confrontos contra o Real Madrid pela Champions. O que ficaria ainda pior se, mais improvável, Ilicic seguisse o mesmo caminho. “Fico triste pelo Ilicic, ele foi colocado no meio, mas não tem nada a ver com isso”, disse Gasperini.
É tudo surpreendente. Porque a Atalanta vive, desde a chegada de Gasperini em 2016, um período iluminado. Se nos dois anos anteriores à chegada do técnico o time havia ficado na parte de baixo da tabela e flertado bem de perto com o rebaixamento, nas últimas quatro temporadas sua pior colocação foi um 7º lugar no Italiano – em 2018 e 2020 acabou em 3º. O time ainda fez uma final e uma semifinal de Copa da Itália; no ano passado, só caiu contra o PSG nas quartas da Champions e, neste ano, já está nas oitavas.
Tudo isso, importante ressaltar, com um elenco que é apenas o 12º mais caro do futebol italiano. Um elenco cujo valor de 36 milhões de euros em salários desembolsados por temporada é apenas cinco milhões mais caro do que custa Cristiano Ronaldo, sozinho, para a Juventus. Um elenco que nos últimos anos perdeu nomes importantes como Castagne (Leicester), Kessie (Milan), Cristante (Roma) e Gagliardini (Inter), mas que seguiu jogando um futebol encantador, ofensivo, competitivo e bonito de se ver.
Num cenário assim, pelo menos enquanto as coisas ainda estão dando certo – e estão –, seria de se imaginar que caprichos, assim como objetivos e preferências individuais, fossem deixados de lado ou ao menos relativizados até o momento em que as coisas ruins e as mágoas guardadas vêm à tona, o que no futebol costuma ser o momento das derrotas, das eliminações.
Não se trata de escolher um lado na briga, até porque, por mais que o trabalho de Gasperini seja excepcional, pode ter lhe faltado tato ou estratégia para lidar com a situação. Não sabemos e provavelmente nunca saberemos quem é (e se há) o principal responsável. É possível que durante a execução de um trabalho onde o componente emocional é tão forte, um ato impensado, uma reação impulsiva, dependendo do interlocutor, acabe por deteriorar uma relação importante de forma irreversível.
Independentemente das responsabilidades, porém, o episódio demonstra como é delicado e multidisciplinar o trabalho de um técnico de futebol. Neste caso específico falamos de um profissional cujas escolhas táticas, a variação de jogo, a potencialização do elenco, a escolha de peças e o encontro de soluções para as vendas e demais problemas que se apresentaram foram irretocáveis. A lista de elogios que se pode fazer a Gasperini é enorme.
Mas pode bastar um pequeno deslize, uma dificuldade na hoje essencial gestão de grupo, para tirar um time do trilho do sucesso. Pode. Ainda não sabemos se é o caso. Porque no futebol, apaixonante também por sua imprevisibilidade, assim como os acertos não garantem vitórias, os problemas graves não significam derrotas.
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