Washington Nationals, contra tudo e contra… os números?
Jornalista torce, claro que torce. Ao contrário do que muita gente pensa, porém, normalmente a torcida não é pelo time de infância ou contra o rival desta equipe. Muitas vezes a torcida é por uma boa história, um jogo emocionante, algo que mobilize o público e faça mais gente perceber como aquele evento que está acontecendo é especial. E jogo 7 de uma final de campeonato sempre parece uma grande pauta em potencial. Como era Houston Astros x Washington Nationals na última quarta. Ou deveria ser, porque dois terços do jogo havia se passado e só um time parecia jogar.
Ao final da sexta entrada, os Nationals tinham conseguido apenas uma rebatida contra Zack Greinke. A mistura de bolas rápidas não-tão-rápidas-assim e muitas bem lentas com bastante efeito tirava todo o tempo dos rebatedores do Washington. Um após o outro, eles não encontravam a forma certa de lidar com cada arremesso. Dava toda a pinta que seria uma daquelas apresentações épicas de um arremessador que deixava o adversário parecer que não tinha entrado em campo.
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Do outro lado, os Astros já tinham duas corridas. Max Scherzer, o arremessador dos Nats e um dos melhores do mundo (talvez o melhor) na função, estava voltando de lesão e claramente não estava no seu melhor. Os arremessos não se mexiam tanto durante a viagem, a localização não era tão precisa. Com isso, o ataque do Houston causava seus estragos. Cada entrada era como uma tragédia evitada no sufoco por Scherzer, com vários corredores em base antes da terceira eliminação. Se o ataque explodisse em algum momento, seria uma lavada dos texanos.
Como comentarista, foi inevitável pensar: “está só 2 a 0, ainda tem jogo, ainda dá para achar que pode virar. Mas, se o ataque dos Nationals continuar desse jeito, a vitória vai parecer fácil e uma galera que só veio ver o jogo porque era a finalíssima vai achar que foi sem graça. Que pena”. Grande engano.
Parecia que a grande história de uma final apoteótica para a temporada 2019 da MLB estava murchando. Mas, na verdade, ela estava no meio. Quanto mais morto os Nationals parecessem, mais viva ela estava. Porque essa grande história era justamente sobre o time da capital americana ressurgir do nada para mostrar que sua missão era pisotear nas estatísticas de probabilidades. Foi assim o ano todo.
22%
Em 23 de maio, após 50 jogos (quase um terço da temporada regular), os Nationals tinham uma campanha de 19 vitórias e 31 derrotas. Era a segunda pior da Liga Nacional e a quinta pior de toda a MLB. Somente Miami Marlins, Baltimore Orioles, Detroit Tigers e Kansas City Royals -- todas equipes que sucatearam seus times para gastar pouco enquanto reconstroem o elenco -- estavam piores. De acordo com o site Fangraphs, um dos mais conceituados em estatísticas de beisebol, o Washington tinha apenas 22% de chance de classificação aos playoffs.
A partir de 24 de maio, os Nats iniciaram uma recuperação espetacular, fazendo a melhor campanha da MLB desde esse dia. Muita gente não percebeu, porque o início ruim mascarava isso e nem na briga pelo título da divisão -- conquistada pelo Atlanta Braves -- a franquia da capital americana entrou. Mas foi suficiente para pegar uma vaga no wildcard, que dava direito a um jogo de vida ou morte em casa contra o Milwaukee Brewers.
13%
Scherzer não foi brilhante como de costume e os arremessadores dos Brewers estavam dando conta do recado. O Milwaukee chegou à oitava entrada com vantagem de 3 a 1 e Josh Hader, um dos melhores fechadores (talvez o melhor), da liga no montinho para finalizar a partida. Os cálculos de probabilidade de vitória apontavam em 87% a chance de triunfo dos cervejeiros. Mas, já com dois eliminados na oitava entrada, uma rebatida simples de Ryan Zimmerman e um walk de Andrew Stevenson lotaram bases. Uma rebatida simples de Juan Soto com erro defensivo infantil de Trent Grisham permitiram a virada para 4 a 3, marcador que permaneceu até o final.
Os Nationals sobreviveram após terem apenas 13% de chance de classificação. Era hora de mostrar esse poder de recuperação na série contra o Los Angeles Dodgers, time de melhor campanha da Liga Nacional.
35%
Os Dodgers lideravam a série por 2 a 1 e anotaram uma corrida logo na primeira entrada do jogo 4. Com o placar em 1 a 0 na terceira entrada, a chance de vitória (e classificação) dos californianos estava em 65%. Mas uma sequência de walk, rebatida simples e rebatida de sacrifício permitiu o empate. A virada veio no decorrer da partida e os Nationals conseguiam ao menos levar a decisão para o jogo 5, em Los Angeles.
11%
O começo deu o tom: depois do susto, os Dodgers fariam seu favoritismo prevalecer em uma série que poderia ser resolvida em menos duelos. Os californianos abrem 3 a 0 logo na segunda entrada e vão tocando a partida. A duas entradas do fim, o máximo que os Nationals conseguiram foi reduzir o placar para 3 a 1. A seis eliminações do fim e com um dos melhores arremessadores do século 21 no montinho (e um dos melhores fechadores aquecendo), não soava estranho ver que os algoritmos apontavam em 89% a chance de vitória do Los Angeles. Mas home runs seguidos de Anthony Rendón e Juan Soto empataram o jogo e um grand slam de Howie Kendrick na décima entrada selaram a improvável vitória do Washington.
A final da Liga Nacional seria contra o St. Louis Cardinals, mas nem teve graça. O Washington varreu a série e teve ao menos um pouco de descanso nessa saga de contrariar os números. A World Series seria diferente.
-235 x +195
O Washington Nationals parecia fazer hora extra nos playoffs, enquanto que o Houston Astros pintava como o supertime dos supertimes, o sobrevivente da batalha contra o New York Yankees. Antes mesmo do primeiro arremesso, a casa de aposta do Caesars, em Las Vegas, abriu as cotações da World Series com favoritismo de -235 para os Astros, enquanto que os Nationals tinham +195. Para quem não tem intimidade com essa numeralha de apostas, basta dizer que desde 2007 (quando o Boston Red Sox varreu o Colorado Rockies na final) a decisão da MLB não tinha uma equipe tão favorita.
32%
O Washington surpreendeu ao vencerem os dois primeiros jogos em Houston, mas as coisas pareciam voltar ao normal quando os Astros deram o troco e saíram com a vitória nas três partidas na capital americana. Bastava aos texanos seguirem o embalo e fechar a série na partida 6.
Isso vinha acontecendo até a quinta entrada. Os Astros tinham 2 a 1 no placar, Justin Verlander detonando tudo no montinho e chance de vitória em 68%. Mas home runs de Adam Eaton e Juan Soto viraram o placar, mais algumas corridas vieram no final e os Nationals forçaram a realização do sétimo jogo.
14%
E voltamos ao início do texto. Zack Greinke estava moendo o ataque dos Nationals no início da sétima entrada e o comentarista na transmissão brasileira estava lamentando a grande chance de a MLB terminar com um jogo sem graça. De fato, os algoritmos apontavam em 86% a probabilidade de vitória (e título) dos Astros.
Até que Rendón conseguiu um home run no primeiro contato forte que os Nationals fizeram na bolinha em todo o jogo. Em seguida, Soto consegue um walk e AJ Hinch resolve mudar. Ainda que Greinke não estivesse desgastado, o técnico dos Astros troca de arremessador. Will Harris cede um home run para Kendrick e o placar, de repente, estava em 3 a 2 para o Washington.
O Houston morreu ali. Hinch tomou outras decisões duvidosas com arremessadores e o ataque sentiu o baque da virada inesperada. A diferença foi aumentando naturalmente, terminando em 6 a 2.
Foi a primeira série em melhor-de-sete com vitória dos visitantes em todas as partidas na história das grandes ligas americanas. A cidade de Washington via seu time conquistar um título no beisebol pela primeira vez desde 1924. O Brasil tinha no catcher Yan Gomes seu segundo campeão da MLB (o primeiro foi Paulo Orlando em 2015 com os Royals). Mas a grande história não era o que o título trazia, mas simplesmente ele existir, mesmo quando foi desenganado pelas estatísticas em tantas oportunidades.
Obs.: o site da ESPN americana já publicou seu ranking de força para a temporada 2020 da MLB. Mesmo com o título, o Washington Nationals está apenas na oitava posição. Pelo visto, a missão de contrariar os números na próxima temporada já começou
Fonte: Ubiratan Leal
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