A virada do técnico que viu a morte de perto e agora quer o título brasileiro
Odair Hellman tem 41 anos. Como jogador de futebol, entre 1997 e 2009 defendeu Internacional, Fluminense, Veranópolis, América de Natal, Mamoré, Brasil de Pelotas, Enköpings (Suécia), América do Rio de Janeiro, Remo, CRB e Eastern (Hong Kong). Ele estava no ônibus que sofreu terrível acidente com a delegação do rubro-negro pelotense em 2009. Cláudio Milar, ídolo da torcida, o zagueiro Régis e o treinador de goleiros Giovani Guimarães morreram na queda do coletivo em uma ribanceira, quando voltavam de Vale do Sol, onde haviam vencido o Santa Cruz por 2 a 1 em amistoso de preparação antes do Campeonato Gaúcho. A carreira do meia terminava ali, mas sua trajetória no futebol não. Hoje Odair comanda o Internacional, que meses após deixar a segunda divisão, desafia os tradicionais rivais e sonha com a reconquista de um título que a torcida colorada não festeja há quase 39 anos: o do campeonato brasileiro. O técnico conversou com o blog.
Qual a maior virtude do atual Internacional?
Odair Hellman —A força coletiva, a organização coletiva, porque todos os jogadores que têm iniciado têm jogado muito bem. E quando tenho a necessidade de usar o grupo, os jogadores que têm entrado vêm dando boa resposta. Então isso mantém uma regularidade de desempenho e estamos fazendo essa boa campanha.
Como encontrou a nova função de Nico López?
O Nico jogava no Nacional (de Montevidéu) numa função mais atrás do último atacante, num 4-4-2 com duas linhas de quatro, e com liberdade de movimentação e de infiltração. Ele faz muito bem essa função e aqui usamos uma variação para ele e comecei a usá-lo também na beirada do campo, com liberdade de flutuação para ser um jogador para atuar entre linhas, porque ele tem esse poder de armação, de último passe e boa definição. Então foi isso que agregou ao Nico também essa situação, claro que também muito do comprometimento dele com o coletivo, com a parte tática e agregando sua individualidade porque é um jogador de muita qualidade.
De que maneira transformou um time que veio da Série B sem ser campeão em candidato ao título da Séria A?
Sempre que um grande clube passa por um período difícil como o Internacional, o outro ano é um ano de muita dificuldade, de reconstrução, e aí precisa de um trabalho em conjunto, de um planejamento. E foi isso que a gente fez, direção, comissão técnica e principalmente os jogadores, que acreditaram na ideia de jogo, estão comprometidos com isso, com o clube. Sabíamos que no início seria mais difícil, íamos encontrar mais espinhos, mas com convicção, com trabalho, a médio e longo prazos teríamos resultados melhores. É isso que está acontecendo, com essa regularidade, fruto de muito trabalho e convicção.
Qual seu maior temor nessa campanha?
Meu maior temor, com certeza, é a perda de jogadores, tanto pela janela de transferência quanto lesionados. Isso faz com que você fique com menos opções. Até agora a gente tem tido poucas lesões, tomara que continue assim.
E o sistema que lhe dá mais confiança?
Sistema de jogo para mim é apenas número, não é o que mais dou ênfase. Trabalhamos muito os conceitos de jogo, bem definidos em todas as fases do jogo, organização defensiva, ofensiva, transições e as bolas paradas. Então, independentemente do sistema que use, o time tem o mesmo conceito, e pratica isso dentro do campo. Foi fruto de muito treinamento para que a gente conseguisse chegar a esse ponto. Tínhamos usado variações de sistemas, de números, mas não abrindo mão das ideias, dos conceitos. Isso tem nos dado bom desempenho e resultados. Claro que usamos, dentro dessa situação, estratégias diferentes para jogos fora e dentro de casa.
Qual o seu sistema de jogo preferido e o que mais se adequa ao atual time do Inter?
O que me dá mais confiança é que os jogadores estão acreditando na ideia de jogo, estão muito comprometidos taticamente, e claro que com os bons resultados e os bons jogos, todos mais confiantes para também desempenhar duas individualidades. O ponto forte realmente é o comprometimento de todos os jogadores, a entrega do grupo, para que a gente possa continuar a fazer essa campanha.
Que time você vê jogar no futebol pelo mundo e pensa: gostaria de ter minha equipe atuando assim?
Assisto muitos jogos, estou curioso para ver o Chelsea com o (Maurizio) Sarri. Ano passado o (Manchester) City jogou muito bem, o Real Madrid também. Vejo muitas partidas para observar modelos de jogo, novas ideias, para que eu possa também agregar ao meu dia-a-dia de trabalho. Claro que a gente sempre tem um ideal que eu trago para a realidade, porque precisamos ter a vontade de fazer o time jogar de uma maneira, mas para isso é necessário ter os jogadores com as características para encaixar com essa possibilidade. Estou muito curioso para ver o Chelsea do Sarri porque é um treinador que está trabalhando muito bem, suas equipes jogando futebol de muita técnica, dinâmica, velocidade. Vou observar a partir de agora para ver em quanto tempo as ideias dele vão demorar para se estabelecer dentro do campo.
Sarri é o seu inspirador? Ou pelo menos o técnico do futebol internacional de que mais gosta atualmente?
Inspirador não. Gostei do trabalho que desenvolveu ano passado, mas gosto do trabalho de outros também, como (Pep) Guardiola, (Diego) Simeone...
Não poder contar com Guerrero atrapalhará?
Claro que eu quero contar sempre com jogadores de qualidade e o Guerrero tem muita qualidade, mas na campanha que fizemos até aqui ele não participou, então espero que esse caso se resolva e continuaremos fazendo o trabalho com os jogadores que estão no grupo e dando grande resposta dentro do campo.
Como ele seria, ou será, aproveitado?
O aproveitamento dele saberemos depois dessas decisões jurídicas e ele puder ficar à disposição. Aí sim poderei falar um pouco mais a respeito dessa situação.
Você indicou Fernandão ao Internacional. Como foi?
A situação do Fernandão foi que eu estava na seleção brasileira Sub-20, em 1997, como jogador, eu e o Fernandão, e eu já estava no profissional do Internacional. E na época aqui tinha o Vestibular do Centroavante, o Christian, Robigol, Alberto. Então quando voltei de uma convocação da seleção, o ex-presidente Fernando Carvalho me perguntou: 'Odair, você que está indo para a seleção, não tem um centroavante para me indicar?' Foi um dia após um treino, quanto ele foi conversar lá no campo. Eu disse: 'Olha, eu tenho um centroavante para indicar o senhor: Fernandão, do Goiás. Mas acho que ele já está indo para uma equipe de fora do Brasil'. O ex-presidente anotou o nome dele, acompanhou a carreira e quando teve a oportunidade o contratou. E disse ao Fernandão que fazia quatro, cinco anos que o acompanhava, desde aquele dia no qual conversamos a respeito dele. É claro que o presidente ter acompanhado e depois contatado, e o mais importante de todos foi ele ter vindo para cá, dado certo e ter jogado muito bem. Minha parcela foi pequena, mas tive minha participação nesse processo.
Você estava no acidente do ônibus do Brasil de Pelotas, o Danrlei (ex-goleiro, que marcou época no Grêmio) era do elenco e o ajudou se salvar...
Sim, eu estava no acidente do Brasil de Pelotas, no dia 15 de janeiro de 2009. Ele (Danrlei) já estava fora do ônibus, um dos poucos que estava sem praticamente nada de machucado, um arranhão no braço. Eu estava preso nas ferragens e consegui arrancar minhas pernas dali, porque estava um barulho muito forte do ar condicionado e eu tinha a sensação de que o ônibus ia explodir. Não desmaiei, nem nada, fiquei no corredor, cai ali quando o ônibus virou na pista, foi uns 30 metros e caiu no barranco abaixo uns 40 metros. E caí no corredor. E os três que morreram estavam do lado esquerdo. Tomei muita pancada nas costas, como se estivesse num liquidificador, sendo jogado para cima e para baixo. Ele gritava para mim, 'sai, sai, arranca tua perna, vai explodir'. Aí arranquei minha perna e ele me puxou pelo couro cabeludo e me afastou do ônibus para que eu pudesse sair. Então ele saiu correndo no meio do mato, porque demorou 45 minutos ou mais para chegar ajuda. E é uma cena trágica, tu ali deitado no meio do nada, na escuridão, escutando grito de seus amigos, colegas pedindo socorro e dois ou três que conseguiram sair das ferragens olhando para o céu e agradecendo por estar vivo. Uma sensação horrível, uma das piores e nunca mais quero passar por isso.
Fale um pouco de sua trajetória ao pendurar as chuteiras, após o acidente do ônibus do Brasil de Pelotas, o fim da carreira de jogador e como chegou ao Inter para trabalhar inicialmente como observador?
Encerrei minha a carreira em 2009, após acidente. Fiquei seis meses machucado e três quase sem poder levantar da cama, com um problema nas costas. E nesse período resolvi encerrar minha carreira. Fui ao Internacional, onde eu tinha jogador por dez anos, desde a escolinha ao profissional, dos 14 anos até os 21, conhecia todas as pessoas lá e pedi uma oportunidade. Fui numa sexta-feira, o Tite era o treinador do profissional, eu me lembro bem. Ele e o Cléber Xavier estavam lá no campo. E fui falar com o ex-presidente Fernando Carvalho para pedir uma oportunidade para começar a trabalhar na base porque estava encerrando minha carreira. Então ele me disse que segunda-feira eu começaria na base, nas avaliações técnicas. Comecei nas observações em 2009. Em 2010 fui para um projeto como auxiliar do juvenil, o treinador era o André Jardine, que hoje é o auxiliar técnico do São Paulo, aprendi muito e fui galgando passo a passo todas as categorias de base. Trabalhei como auxiliar técnico do júnior, do Sub-23. Até que em 2013 o Dunga, no time profissional, liberou todo os profissionais da comissão permanente para formar uma nova equipe e me chamou para ser o auxiliar técnico permanente do Internacional. Então em 2013 passei a auxiliar técnico do Internacional. Trabalhei com dez treinadores, dez comissões técnicas diferentes. Pude aprender muito com todos esses treinadores, aí em 2015 tive a oportunidade de trabalhar na seleção brasileira Sub-17 e depois fazer a Olimpíada como auxiliar técnico do (Rogério) Micale em 2016. Tudo isso agregou muito valor para mim, experiência, conhecimento. Foi passo a passo, colocando tijolo a tijolo, aprendendo muito mesmo, fazendo todos os cursos que havia à disposição no mercado, junto do trabalho no dia-a-dia. E nesse tempo todo fui me aprimorando para que quando recebesse minha oportunidade estivesse preparado. Foi um crescimento mesmo de passo a passo, passando por todas as categorias do clube e trabalhar por cinco anos como auxiliar da equipe principal, assumindo o time interinamente algumas vezes, até em 2017 nos últimos três jogos da Série B. Conseguimos, juntos, alcançar a volta à Série A e ser efetivado pela direção em 2018.
Você sentia que estava pronto para o desafio?
Eu me sentia preparado, me sinto preparado. Não estou pronto e nunca vou estar porque estou sempre aberto a novos conhecimentos e métodos para que eu possa sempre agregar valor ao meu dia-a-dia de treinos. Por que acredito muito em treinamento, uma equipe bem treinada consegue dar boa resposta dentro de campo, melhor jogo e desempenho.
Como superou as sequelas, emocionais, inclusive, do acidente?
Realmente aquele acidente me abalou muito pessoal e profissionalmente. Tive que começar do zero, recebi ajuda de muitas pessoas, às quais tenho muita gratidão, porque não foi fácil. Fiquei com sequelas daquele acidente, com medo de viajar de ônibus logo em seguida. Infelizmente perdemos três companheiros num acidente trágico. Mas tive que recomeçar lá da base para realmente buscar aprendizado e conteúdo para não ser um ex-jogador que parasse com 38 anos e virasse treinador. Eu não acreditava nessa situação, acho que ser jogador é uma coisa, ser treinador é outra. Fui buscar conhecimento, aprender com os professores lá na base, depois subi ao profissional, aprendi muito com os treinadores, também aprendi o que não fazer, e nesse tempo todo eu sempre tinha na cabeça que deveria ter minhas ideias de jogo e meus métodos de treinamento. Então usei todo esse tempo de experiência e oportunidade como auxiliar técnico para criar meu método de treino e minhas ideias de jogo. Agora que recebi minha oportunidade, estou implementando esses conceitos. Foi muito importante ter todas essas passagens e experiências, que me deram confiança e segurança para assumir um clube do tamanho do Internacional. O que me deixa muito orgulhoso, é uma honra para mim, mas sei que estou preparado e dando o máximo que tenho de mim para que as coisas deem certo.
Fonte: Mauro Cezar Pereira, jornalista da ESPN
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