E se Tifanny, a trans do vôlei, jogasse futebol?
Jogos de Londres-2012. O verão inglês, tórrido, subsaariano, me fazia usar um moletom na tribuna de imprensa. Eu estava no Estádio Olímpico quando Oscar Pistorius disputou a eliminatória dos 400 metros rasos pela equipe da África do Sul. Havia um transe no ar, todos ali cientes de que éramos testemunhas in loco da História. Pistorius, com suas próteses conhecidas como “cheetas”, imponentes hastes de metal em forma de ponto de interrogação invertido, se tornava o primeiro atleta paraolímpico (para mim é difícil tirar esse “o” do meio) a disputar uma Olimpíada. À época, nem o mais perturbado humanoide imaginaria que, seis meses depois, Pistorius mataria a tiros sua namorada, Reeva Steenkamp, o que para sempre jogará sombras àquele momento sublime do esporte (e da humanidade) que tive o privilégio de presenciar. Atletas são humanos e, como humanos, guardam monstros dentro de si.
Havia enorme encantamento pelo que representava alguém com as duas pernas amputadas, dos joelhos para baixo, conseguir se colocar em igualdade de condições com os melhores atletas do planeta e seus corpos perfeitos.
E havia também questionamentos justamente em relação a essa igualdade: para muitos, as próteses eram capazes de impulsionar Pistorius com uma eficiência que as pernas humanas jamais conseguiriam fazer. Discussão importante, delicada e necessária, porque sensível a várias “contaminações” de análise por preconceito, ignorância e, mesmo, má fé.
É essa última discussão que me vêm à memória quando vi que Tifanny Abreu estreou na Superliga na derrota do Vôlei Bauru para o São Caetano por 3 sets a 2, no último dia 10 de dezembro. Apesar de serem questões completamente diferentes, de proporções absolutamente distintas, há um ponto em comum sobre o qual a gente deve refletir: como Pistorius, Tifanny ficou bandeira em dois mundos outrora separados: ela jogou a Superliga B masculina por Juiz de Fora e Foz do Iguaçu como Rodrigo Abreu. Agora disputa, com o nome que escolheu, a Superliga feminina pelo time do interior de São Paulo.
Tifanny é uma mulher trans. Nasceu e foi registrada como homem, mas se reconhece como mulher. O vôlei foi o caminho que encontrou para se viabilizar financeiramente e realizar seu sonho. Depois de atuar em ligas masculinas da Indonésia, Portugal, Espanha, França e Holanda, foi na Bélgica, em 2012, ainda como Rodrigo, que ela fez a cirurgia de mudança de sexo (ou gênero, ou redesignação genital, os termos mudam conforme avança o debate). Tudo dentro da lei. E ao voltar ao Brasil, não imaginava seguir como atleta. Mas em 2016 uma decisão do COI, o Comitê Olímpico Internacional, permitiu a homens que participem de competições femininas, desde que com os níveis de testosterona controlados. Nem mesmo é necessário ter feito, como Tifanny, a cirurgia. Bastar a concentração do hormônio “masculino” estar abaixo de 10 nanogramas por mililitro de sangue – a de Tifanny estaria com folgas abaixo disso.
O esporte está entre as mais belas invenções humanas, é impossível que não reflita os movimentos comportamentais de seu tempo. Na moda dos cabelos, nas vestimentas, na tecnologia, nas tatuagens. Era questão de tempo que a discussão de gênero ganhasse quadras, águas, campos.
Falando em campos, o futebol é um dos mais conservadores ambientes do mundo esportivo. Na história, são raridades sequer casos como o de Robbie Rogers, que acaba de encerrar a carreira no Los Angeles Galaxy. Ele já havia se aposentado em 2013, logo após declarar ser homossexual. Mas foi convencido a voltar e virou ícone na luta contra a homofobia.
Não sei o quanto vai demorar, mas uma coisa é certa: Tifannys boleiras vão aparecer. Porque já existem. E quanto pintarem, vai se abrir também uma ponte entre as modalidades masculina e feminina? Como o futebol lidará com isso? E você?
Fonte: Maurício Barros
E se Tifanny, a trans do vôlei, jogasse futebol?
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