Por que é tão difícil para a Croácia subir de nível no futebol mundial?
Neste sábado, a Croácia entra em campo contra a Eslováquia precisando apenas de um empate para se garantir na Euro 2020. Soma 14 pontos e lidera o Grupo E das eliminatórias, à frente da Hungria (12) e dos próprios eslovacos (10). Após o vice-campeonato mundial no ano passado, os croatas viveram altos e baixos.
Pouco depois da Copa, fizeram um amistoso com Portugal e empataram em 1 a 1. Porém, em 11 de setembro de 2018, o desastre veio em forma de jogo oficial pela Uefa Nations League: Espanha 6x0 Croácia.
Dúvidas, então, surgiram sobre o rendimento do time; a presença na final em Moscou se tornou obra do acaso para muitos. A recuperação na Nations League veio em forma de empate com a Inglaterra e vitória, em casa, diante dos espanhóis. Mas uma nova derrota, desta vez para os ingleses, eliminou qualquer possibilidade de classificação.
A seguir vieram amistosos e as eliminatórias para a Euro. Novos tropeços em 2019, contra Hungria (2x1, 24/mar) e Tunísia (2x1, 11/jun), reforçaram a impressão de que o que aconteceu na Rússia foi, realmente, apenas uma boa campanha. Para a maioria, a Croácia ainda não passou a impressão que mudou de prateleira no futebol mundial. Por quê?
"Há motivos para argumentar que o sucesso da Croácia na última Copa do Mundo não aconteceu por causa de políticas esportivas ou métodos específicos do governo croata", afirma Dario Brentin, pesquisador do Centro de Estudos do Leste Europeu na Universidade de Graz (Áustria) e doutorando na University College London, no maior centro de pesquisas do leste da Europa na Inglaterra.
Para Brentin, é difícil encontrar as razões para o sucesso atingido pela seleção croata nos últimos anos. "É possível tentar", garante. "A base do futebol na Croácia, principalmente de Dinamo Zagreb e Hajduk Split, tem continuamente identificado e formado talento, provavelmente uma das razões. Há também um bom sistema de scout que identifica potenciais atletas oriundos da Diáspora Croata em comunidades da Europa oriental ou além".
A Diáspora Croata foi um movimento de fuga de croatas do seu país natal por causa da Guerra da Iugoslávia, no início da década de 1990, que resultou na dissolução iugoslava e a formação de mais nações independentes, entre elas a croata. A estimativa atual é de que 2,5 milhões de croatas vivam espalhados pelo mundo - a população dentro da Croácia é pouco superior a 4 milhões.
DE MOSCOU A CARDIFF
Danijel Subasic, Sime Vrsaljko, Dejan Lovren, Domagoj Vida e Ivan Strinic; Ivan Rakitic e Marcelo Brozovic; Ante Rebic, Luka Modric e Ivan Perisic; Mario Mandzukic. Esse foi o time que entrou em campo no Luzhniki, em 15 de julho do ano passado. Depois de uma campanha com 100% de aproveitamento na fase de grupos, diante de Argentina, Nigéria e Islândia, foram três classificações nos pênaltis contra Dinamarca, Rússia e Inglaterra.
Após o 4 a 2 para a França, os torcedores croatas, ainda no estádio, cantaram e saudaram seu time. Foi motivo de orgulho para todo país a campanha espetacular da equipe, liderada brilhantemente por Modric. Os jogadores foram recebidos como heróis em Zagreb.
Pouco tempo depois, Manduzkic anunciou a aposentadoria da seleção aos 32 anos e como segundo maior artilheiro da equipe, com 33 gols. "Tornamos nossos sonhos em realidade, conseguimos um sucesso histórico e experimentamos apoio inacreditável. Aquele mês, incluindo as recepções em Zagreb, em Slavonski Brod e toda Croácia, permanecerão como a mais importante memória da minha carreira. Foi a mais linda jornada de uma seleção e meu retorno para casa favorito", garantiu o atual atacante da Juventus. O primeiro da lista é o atual presidente da Federação Croata, Davor Suker, com 45 gols.
O lateral-esquerdo Strinic, durante o Mundial, acertou com o Milan. Já na Itália, descobriu um problema cardíaco e jamais estreou oficialmente pelo clube rossonero. Rescindiu seu contrato ao final da temporada e ainda não voltou a jogar.
Luka Modric, aos 34 anos, segue como o capitão e a referência da seleção, mas já não repete as mesmas atuações que o consagraram como o melhor do mundo em 2018. Seu nível no Real Madrid já indica que a idade começa a pesar para esse fantástico meio-campista, e que seu ciclo pela Croácia pode estar perto do fim. Ivan Rakitic, apesar de mais novo (31), teve queda de rendimento acentuada nesta temporada e passou a ser reserva no Barcelona.
Em meio a esse cenário, que também envolve lesões de muitos, alguns jovens e também atletas já "maturados" no futebol ganham espaço. Casos mais notórios de Tin Jedvaj, Borna Barisic, Nikola Vlasic e Bruno Petkovic. No 4-2-3-1 do técnico Zlatko Dalic, os quatro têm enorme importância.
O lateral-direito Jedvaj, após demonstrar muito talento no Dinamo Zagreb, chamou a atenção da Roma, mas pouco ficou por lá. Rumou para o Bayer Leverkusen e nesta temporada foi emprestado ao Augsburg, onde tem jogado com frequência, algo importante para um atleta de 23 anos em evolução. Na seleção, com Vrsaljko lesionado, tem jogado regularmente. Já na esquerda, a solução de Dalic foi Barisic, de 26 anos, no Rangers desde a temporada passada, após se destacar pelo Osijek, do futebol croata.
É no setor ofensivo, porém, que chama atenção as trocas positivas de peças. Vlasic, da base do Hajduk Split e pouquíssimas chances no Everton, vem jogando muito bem pelo CSKA Moscou e é o meia avançado no esquema de Dalic. Com apenas 22 anos, vive o melhor momento da carreira. Joga atrás da referência ofensiva do time croata, Bruno Petkovic. O atacante de 1m93 e 25 anos se profissionalizou no Catania, rodou por diversos times italianos, mas vingou apenas quando retornou à Croácia para defender o Dinamo Zagreb, no ano passado.
Tudo isso sem esquecer de nomes como Brozovic, Mateo Kovacic, Marko Pjaca, todos com idade entre 24 e 26 anos e muito tempo ainda de seleção. Já Vida, Lovren e Perisic, 30 para cada, serão importantes na transição de gerações. Na prática, um time que tem condições de ser forte por muito tempo.
FUTEBOL LOCAL FRACO
A campanha do Dinamo Zagreb na atual Champions League impressiona. Na estreia fez 4 a 0 na Atalanta, em casa, e depois vendeu caro a derrota por 2 a 0 para o Manchester City, como visitante; dois empates com o Shakhtar mantiveram a equipe na briga pela classificação. Nas fases preliminares, pelo caminho, deixou Rosenborg-NOR, Ferencváros-HUN e Saburtalo Tbilisi-GEO. O campeão croata entra apenas na segunda fase prévia do torneio.
Levantamento do CIES Football Observatory, em outubro do ano passado, mostrou que o clube de Zagreb está na quarta colocação entre todos com mais jogadores espalhados pelas 31 principais ligas nacionais europeias. Eram 66 atletas formados na base do Dinamo Zagreb, contra 77 do Ajax e 69 de Dinamo Kiev e Partizan Belgrado. E apesar da quantidade, os times menores do gigante da capital croata tem revelado muita qualidade também.
A realidade local, porém, é complicada para o desenvolvimento dos times. O Dinamo, com 24 títulos croatas, é o maior campeão, seguido pelo Hajdul Split, com 15. A equipe do litoral, porém, não é campeã desde 2005 e viu o Rijeka - vencedor da edição 2016-17 - assumir a condição de segunda força. Nesta temporada, parece que o Hajduk terá forças para brigar novamente com o Dinamo, atual bicampeão nacional.
A economia croata também não ajuda muito o fortalecimentos dos times. O país de 4,1 milhões de habitantes, em 2018, teve Produto Interno Bruto de 60,8 bilhões de dólares, sendo 14,878 mil per capita, de acordo com dados do Banco Mundial. A economia cresceu, em média nos últimos três anos, cerca de 3% a cada período, mas o desemprego continua alto, em torno de 11%.
"Comparado ao dinheiro que há nas melhores liga europeias, o investimento no futebol croata é consideravelmente menor. Porém, dentro da realidade do país, há investimento significante no Dinamo Zagreb, enquanto outros clubes ficam bem para trás. Pela falta de competitividade, os jogadores talentosos raramente ficam nos times croatas. Por um lado, garante recursos para os clubes, por outro os deixa mais fracos internacionalmente", afirma Dario Brentin.
Para a atual temporada, o Dinamo Zagreb investiu 4,6 milhões de euros em reforços e recebeu 11,7 de negociações. Já o Hajduk teve números menores, com 2,25 milhões de euros em contratações e 6,85 em saídas. O Rijeka foi ainda mais modesto, com 1,2 e 1,7 milhão, nos respectivos itens.
CENÁRIO SEM AVANÇOS
A Croácia segue revelando talentos, mas não consegue crescer internamente. Esse cenário se torna pouco propício para o fortalecimento do futebol croata.
Quando analisamos a elite do esporte mais popular do mundo, é possível detectar campeonato nacionais fortes. França, Espanha, Itália, Alemanha, Inglaterra e Portugal possuem as seis ligas mais fortes da Europa e têm muitos representantes na Champions League anualmente. Brasil e Argentina já são, historicamente, fortes e também mantém campeonatos de alto nível. O Uruguai também tem a história e a tradição ao seu lado. Outros países pretendentes a subir de prateleira sofrem.
A Bélgica talvez seja o caso mais notório. Caiu nas semifinais do Mundial, tem atletas nos melhores clubes do planeta, mas também enfrenta processo parecido ao croata, mas claramente em nível acima. Muito pela estrutura existente na Bélgica: economia nacional e campeonato local mais estruturados e sólidos.
Os próprios belgas têm um histórico maior em Copas do que a Croácia, que foi terceira colocada em seu Mundial de estreia (1998) e depois não tinha conseguido passar da primeira fase (2002, 2006 e 2014), até o ano passado (em 2010 não se classificou para a Copa).
Esse é um ponto em comum para esses times: a falta de um título mundial. Basta ver como a Espanha mudou de patamar quando ganhou a Copa de 2010, mas com uma estrutura por trás bem superior e mais firme do que dos dois citados.
Na prática, o clube dos "times grandes" entre as seleções segue bastante seleto.
Fonte: Gustavo Hofman
Por que é tão difícil para a Croácia subir de nível no futebol mundial?
COMENTÁRIOS
Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.