O que é e o que podemos esperar da AAF, a nova liga profissional de futebol americano?
Younghoe Koo entrou em campo com uma missão, acertar um field goal de 38 jardas. A marca não é das mais complexas para um kicker profissional, mas parecia uma montanha para o sul-coreano escalar. Em 2017, como chutador novato do Los Angeles Chargers, ele havia convertido apenas uma das cinco tentativas com mais de 30 jardas na NFL. Foi dispensado, e por isso aquela oportunidade de 38 jardas soava tão simbólica. Veio o snap, o holder posiciona a bola e… chute certeiro, no meio do Y.
Mais do que a redenção pessoal de Koo, aquele field goal entrou para a história pelo jogo, pelo momento. Naquele momento, noite de 9 de fevereiro no estádio Spectrum da University of Central Florida, o Atlanta Legends fazia 3 a 0 sobre o Orlando Apollos e anotava os primeiros pontos da AAF, a Alliance of American Football, a nova liga profissional de futebol americano.
Mas o que é a AAF? O que podemos esperar dela? O que ela tem diferente de outras ligas que foram criadas e desapareceram rapidamente?
Desde a fusão da American Football League com a National Football League em 1970, que se transformaram nas Conferências Americana e Nacional da atual NFL, houve duas tentativas mais relevantes de criar uma sombra à principal liga esportiva do futebol americano. Nos anos 80, houve a United State Football League (USFL). Na primeira década deste século, a Extreme Football League (XFL).
A história dessas duas ligas é fascinante e foi muito bem contada nos documentários “Small Potatoes” (USFL) e “This Was de XFL” (XFL), ambos produzidos pela ESPN dentro da série 30 por 30 e estão disponíveis com legendas em português no Watch ESPN. Se não viram ainda, vejam, porque são sensacionais.
A menção aos filmes da ESPN não é gratuita. O diretor do documentário sobre a XFL foi Charlie Ebersol. O cineasta concluiu a produção em 2016, mas, durante o trabalho de pesquisa, entrevistas e edição, ele ficou se convenceu de que o conceito de uma segunda liga profissional de futebol americano, cuja temporada se estendesse durante o recesso da NFL, era viável, bastava fazer ajustes no projeto. E ele tinha os contatos certos para fazer uma nova tentativa, até porque seu pai é Dick Ebersol, co-fundador da XFL e executivo aposentado do canal NBC Sports.
O principal problema da USFL foi uma disputa entre os donos das franquias (um deles Donald Trump), que levaram a liga a rumos erráticos que faliram o projeto. Mas a USFL e a XFL tinham em comum outro ponto que se mostrou problemático a ambas: a forma como se apresentavam ao público. Para chamar a atenção do torcedor, as duas organizações vendiam a ideia de que a NFL era uma “liga cheia de regras estúpidas que tiram a graça do jogo” e que ela era a representante do “futebol americano raiz, sem frescura, coisa para macho” (linguajar tosco proposital como forma de retratar o estilo).
A ideia fazia algum sentido considerando que o nível técnico era claramente inferior. Assim, se a qualidade do jogo não era das melhores, ao menos elas tentavam se diferenciar pelo estilo de jogo. No entanto, isso acabou se voltando contra os organizadores. Apesar de criar situações que viraram folclóricas, como substituir o cara ou coroa por jogadores correndo atrás de uma bola como em um fumble e a permissão aos jogadores para colocarem seus apelidos nas camisas, a linguagem alienou o público comum. Fez as ligas, principalmente a XFL, a ganhar a imagem de modalidade exótica que atendia a um nicho muito específico.
Charlie Ebersol percebeu que a estratégia virou um tiro no pé. Por isso, quando idealizou uma nova liga de futebol americano, ele percebeu que não podia tirar o foco do principal: apresentar jogos de bom nível técnico para torcedores de verdade. Sem afetação.
Por isso, trouxe para o projeto profissionais que podiam dar credibilidade técnica. As figuras mais conhecidas do público são Troy Polamalu, lendário safety do Pittsburgh Steelers, Bill Pollian, ex-diretor geral de Buffalo Bills, Carolina Panthers e Indianapolis Colts, Justin Tuck, ex-defensive end do Oakland Raiders, e Mike Pereira, ex-árbitro e comentarista de arbitragem na TV.
Com esses nomes ao lado, foi mais fácil atrair treinadores com experiência em trabalhar com times de alto nível. Para montar os times, foram selecionados jogadores que ficaram de fora na definição dos elencos da NFL - ou seja, jogadores que não tiveram espaço na liga mais importante, mas que têm nível técnico suficiente para terem recebido oportunidades de fazer testes e lutar por uma vaga - e que não foram draftados.
A AAF trabalhou também para adaptar algumas regras. Há uma tentativa de apresentar um jogo com menos faltas, uma reclamação constante dos torcedores mais tradicionalistas da NFL, mas sem a afetação de “aqui não tem frescura” da XFL. Outras mudanças são o fim do ponto extra (todo time é obrigado a tentar a conversão de dois pontos após o touchdown), dos kick offs (na nova liga, o time que receberia o chute já inicia a campanha de sua linha de 25 jardas) e do onside kick (se quiser manter a posse após pontuar, o time posiciona a bola na linha de 35 jardas de seu campo e tenta avançar 12 jardas em uma descida. Isso só pode ser feito em condições específicas).
Garantindo um nível técnico decente e uma partida com algumas modificações que tornem o jogo mais dinâmico e/ou divertido, a questão da AAF foi alocar suas franquias. Foram criados oito equipes, praticamente todos no sul dos Estados Unidos. Além disso, a preferência era por cidades que já tivessem equipes de grandes ligas profissionais - ou seja, mercado com capacidade comprovada de sustentar uma equipe economicamente -, mas que não estivessem na NFL - afinal, concorrer diretamente diante do mesmo público seria arriscado demais.
No final, acabaram abrindo exceções. Quatro equipes atendem a essas três condições: Orlando Apollos, San Diego Fleet, San Antonio Commanders e Memphis Express. Atlanta Legends e Arizona Hotshots são as únicas franquias e dividem mercado com uma da NFL (Falcons e Cardinals). Salt Lake City Stallions é a única que não está no sul dos EUA. E o Birmingham Irons é a única em cidade sem uma outra equipe profissional.
A rodada de estreia foi no último fim de semana, com quatro jogos. E a primeira impressão foi satisfatória. Apesar de a qualidade do jogo claramente não ser a mesma da NFL ou das melhores equipes da NCAA, foi possível ver jogadores de bom nível técnico, algumas jogadas empolgantes e uma ação mais fluida. O retorno na TV também foi bom: a CBS teve mais audiência que a ABC, que no mesmo momento transmitia Houston Rockets x Oklahoma City Thunder pela NBA.
Claro, é só uma primeira impressão. Ao longo da temporada, o nível técnico pode cair à medida que os elencos fiquem desgastados e acusem a falta de reposição à altura. A audiência também deixará de se beneficiar do fator curiosidade, que teve papel importante nos números da rodada de estreia. E a concorrência com outras modalidades, como a reta final da temporada regular da NBA e da NHL, o March Madness do basquete universitário e o início da temporada da MLB podem atingir a AAF.
De qualquer modo, a AAF parece uma boa aposta para uma liga secundária de futebol americano. O projeto tem uma base interessante e parece haver um cuidado para oferecer bons jogos ao público. Seria um milagre ela conseguir concorrer com a NFL ou mesmo atrapalhar a NBA, a NHL ou a MLB, mas ela pode se estabelecer como uma liga de desenvolvimento, dando uma segunda chance a dezenas de atletas de potencial que são dispensados da NFL ou ficam de fora do draft e que, hoje, só têm na Canadian Football League uma alternativa de seguirem suas carreiras.
Fonte: Ubiratan Leal
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