Talvez por ter essa arrebatadora paixão pela comunicação (e uma insistente mania de questionar os porquês no mundo), desde muito cedo, diante das mais variadas situações, me pergunto como o futuro vai contar as histórias do agora, do hoje. Faço isso com tudo: olho para as construções das casas, para os arranha-céus, novos monumentos e me questiono como as gerações desse próximo tempo que agora é ainda distante vão avaliar nossa arquitetura? O que será que vão dizer sobre a nossa música? Sobre os nossos livros escritos? Sobre as celebridades produzidas? Sobre a arte? Sobre o esporte? Sobre os atletas e suas conquistas?
Vivemos esse período maluco de bombardeio de informações, de verdades e de mentiras, de opiniões, de atitudes extremas e dos lamentáveis discursos odiosos em redes sociais. As coisas acontecem em ritmo tão frenético que parece que todas as questões têm suas respostas alteradas centenas de vezes antes mesmo de termos chegado a esse "novo tempo". Vocês entendem o que eu estou falando?! É que todos os conceitos mudam muito rápido. O certo e o errado. O que pode e o não pode. A inclusão e a exclusão. O que é político e o que não é.
Na visão de quem pesquisa para entender os efeitos desse "momento" que temos vivido nas últimas décadas, potencializado pelas evoluções tecnológicas, estamos na pós-modernidade da civilização, tempo esse que se sustenta no que é descartável, no local e no aqui-agora; no prazer, no faça você mesmo e, principalmente, no imediatismo. Tudo deve mudar, e o mais rápido possível! Podemos chamá-lo também de tempo hipermoderno, expressão usada pelo escritor francês Gilles Lipovetsky, ao observar, por exemplo, nossos hábitos de consumo.
Nesse turbilhão, nos vemos engolidos pelo tempo: já conquistei tudo que eu queria? E aquela viagem? E aquele emprego? E aquele casamento? E aquele corpo perfeito? Acontece comigo sempre. Então, eu paro o relógio e tento fazer um exercício simples, que brinca com o passado e o futuro. É uma atividade para nos questionarmos sobre o que diríamos para nós mesmos daqui cinco, 10, 20 ou 30 anos. Ou se pudéssemos promover um encontro com o nosso passado, como trataríamos as nossas angústias? O que falaríamos sobre os nossos medos e os desafios que já foram superados?
Em todos os campos da vida, independentemente da classe social, da posição que você ocupa ou de onde quer chegar, todos já sentimos medo, arrependimento e todos já nos questionamos diversas vezes "como vai ser?". É um exercício interessante, tente!
Nessa linha, desde 2014, a plataforma digital The Players' Tribune tem publicado cartas de atletas profissionais, histórias em primeira pessoa sobre as vivências fantásticas desses esportistas. Relatos sobre como venceram seus medos, como cresceram, como conquistaram, conselhos dados da "realidade" para a "expectativa".
Desses conteúdos, a linda e sincera carta da brasileira Marta, cinco vezes eleita a melhor jogadora do mundo, inspirou a jovem Ariana, a menina que se você não conhece, deveria conhecer: fenômeno nas redes sociais com vídeos de futebol super bacanas, habilidosa com a bola e que sonha em correr pelos gramados do mundo como jogadora profissional. São as palavras de uma criança para a mulher de 30 anos que Ariana quer se tornar:
"A Ariana de 30 anos,
Pode ter certeza de que há muitas meninas te acompanhando no Youtube e tentando aprender seus dribles. Minha única dúvida, na verdade, é se ainda existe o Youtube. Mas se hoje, ainda criança, já tem meninas me seguindo e tentando fazer o que faço em campo, imagina como elas olham para você, agora, com 30 anos e no auge. Pode ficar feliz, Ariana, porque você me ensinou a esquecer os preconceitos, a olhar apenas para o desenvolvimento dos meus treinos. Você ensinou uma legião de pessoas a tapar os ouvidos contra o ódio da sociedade, tendo sua linda história como exemplo para um monte de gente."
No exercício de voltar ao passado, a Marta de 31 anos escreve para a Marta, menina de 14:
"Você mostra para eles: você é uma garota, e você pode jogar futebol. (...) Mas os comentários, os julgamentos, as piadas – tudo aquilo não vai parar. Mesmo quando você estiver no time local da cidade. Você sabe que isso não é o bastante para fazer a mudança. Aqueles momentos – enquanto os garotos estão num vestiário e você está sozinha, num banheiro pequeno logo ao lado, tentando colocar sua camisa de futebol tamanho grande e calções de menino que vão para baixo dos seus joelhos – são solitários. Então, lembre-se de quão sozinha você se sente agora e ouça quando eu te digo o seguinte: no mundo inteiro, existem meninas que se sentem do mesmo jeito. Meninas que recebem olhares, meninas que são questionadas sobre estar ali, meninas que são expulsas de campeonatos e que recebem apelidos nada elogiosos."
As cartas escritas por Ariana e Marta nos mostram duas histórias que se encontram num mesmo ideal: o de que meninas PODEM ser o que elas escolherem para suas vidas. Falam de preconceito e sobre como vencer esse "monstro". Nesse exercício sobre o que esperamos para o futuro e o que pensamos do passado, nos sentimos mais fortes. A Marta inspira a Ariana (e outras milhares de meninas) e a Ariana pensa em inspirar as gerações que estão por vir.
Fico muito impactada com as palavras dessa menina, porque, claro, tem um pai e uma mãe dando todo o apoio, acompanhando a rotina da filha que mora e treina numa escolinha nos Estados Unidos, mas ela tem apenas oito anos, tem convicção, tem vontade, e já sabe sobre os olhares e palavras que vão a acompanhar no trajeto; já entende a dificuldade que é para uma mulher prosperar num esporte tão dominado por homens. Na mesma intensidade, mostra o lado animador do "eu acredito que eu posso" e serve como exemplo sobre o que esperamos para o futuro do esporte e de como queremos formar nossas próximas gerações.
Em tempos tão acelerados, com suas delícias e agruras, estimular o potencial crítico na fase inicial, na infância, na escola, faz com que formemos futuros adultos com poder de opinar, de escolher e de lutar pelos seus ideais. É como um sopro de esperança: o de um legado. Aqui em Nova Iorque, na onda de discussão sobre os direitos das mulheres e de todos os movimentos que têm aparecido - e que torço para que não sejam uma onda passageira - o estado inseriu na agenda anual um projeto voltado para o GIRL POWER, o conceito globalmente conhecido como empoderamento das mulheres.
No calendário de programações, a ideia é que, na escola, as meninas tenham lições de como reconhecer a diferença entre uma relação saudável e o abuso; que elas recebam informações para que sejam capazes de identificar e evitar casos de assédio sexual. Fazem parte do "pacote" investimentos em qualificação dos professores para tratarem as temáticas de abuso, preparo de educadores para que deem estímulo e apoio para que essas meninas possam seguir profissões variadas; um processo de transformação de crianças em líderes. Além disso, proporcionar produtos de higiene feminina de forma gratuita dos seis aos 12 anos. Serão seis milhões de dólares investidos em pesquisas, seis milhões investidos no futuro.
Dito tudo isso, que tal você tirar um tempinho, parar o seu relógio e fazer o exercício de quem você será no futuro e que caminho já percorreu até aqui? Qual é o mundo que você vive e qual o que você quer deixar para os seus filhos?
Aproveite!
O lado obscuro do esporte e da Internet no caso Sidão
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